terça-feira, 6 de novembro de 2012

Ensino Sem Demagogia


Um texto de julho de 2008 de Dermeval Saviani, professor doutor em Filosofia, um grande estudioso no assunto, considerado um filósofo da educação, com vários livros sobre o assunto. Fala sobre o estado da educação pública no País e o PDE [Plano de Desenvolvimento da Educação] que será explicado no texto.

"Os mais variados diagnósticos põem em evidência o estado atual altamente precário da qualidade da educação pública brasileira. E o mais recente programa de enfrentamento da situação, o PDE [Plano de Desenvolvimento da Educação], se propôs a atacar de frente exatamente o problema da qualidade do ensino, mas tem um calcanhar-de-aquiles: o insuficiente investimento.
Tal situação agora repercute de forma ampliada por efeito da greve dos professores da rede pública estadual de SP [iniciada em 16/6], que põe em evidência o problema das condições precárias de trabalho que dificultam a ação dos professores e afetam a formação, desestimulando a procura pelos cursos de preparação docente. Tanto para garantir uma formação consistente como para assegurar condições adequadas de trabalho, faz-se necessário prover os recursos financeiros correspondentes.
Eis o grande desafio a ser enfrentado. É preciso acabar com a duplicidade pela qual, ao mesmo tempo em que se proclamam aos quatro ventos as virtudes da educação, as políticas predominantes se pautam pela redução de custos, cortando investimentos. Impõe-se ajustar as decisões políticas ao discurso imperante. Trata-se, pois, de eleger a educação como máxima prioridade, carreando para ela todos os recursos disponíveis.
Questão crucial
Não se trata de colocar a educação em competição com outras áreas necessitadas, como saúde, segurança, estradas, desemprego, infraestrutura de transporte, de energia, abastecimento, ambiente etc. Ao contrário, como eixo do projeto de desenvolvimento nacional, a educação será a via escolhida para atacar de frente todos esses problemas.
Se ampliarmos o número de escolas, tornando-as capazes de absorver toda a população em idade escolar, se povoarmos essas escolas com todos os profissionais de que necessitam, em especial com professores em tempo integral e bem remunerados, estaremos atacando o problema do desemprego diretamente, pois serão criados milhões de empregos.
Estaremos atacando o problema da segurança, pois estaremos retirando das ruas e do assédio do tráfico de drogas um grande contingente de crianças e jovens. Mas, principalmente, atacaremos todos os demais problemas, pois estaremos promovendo o desenvolvimento econômico, uma vez que esses milhões de pessoas com bons salários irão consumir e, com isso, ativar o comércio, que, por sua vez, ativará o setor produtivo (indústria e agricultura), que irá produzir mais e contratar mais pessoas. De quebra, a implementação desse projeto provocará o crescimento da arrecadação de impostos, maximizando a ação do Estado na infraestrutura e nos programas sociais.
Enfim, com esse projeto será resolvido o problema da qualidade da educação: transformada a docência numa profissão atraente em razão da sensível melhoria salarial e das boas condições de trabalho, para ela serão atraídos muitos jovens dispostos a investir recursos, tempo e energia numa alta qualificação obtida em graduações de longa duração e em cursos de pós-graduação.
Com um quadro de professores altamente qualificado e fortemente motivado trabalhando em tempo integral numa única escola, estaremos formando os cidadãos conscientes, críticos, criativos, esclarecidos e tecnicamente competentes para ocupar os postos do mercado de trabalho de um país que viria a recuperar, a pleno vapor, sua capacidade produtiva.
Falta de coerência
Estaria criado, por esse caminho, o tão desejado círculo virtuoso do desenvolvimento. Trata-se de uma proposta ingênua, romântica? Não. Ela apenas extrai as consequências do discurso hoje dominante, cobrando coerência aos portadores desse discurso. Está lançado o desafio aos formadores de opinião, aos empresários, dirigentes dos vários níveis e dos mais diferentes ramos de atividade e, em especial, aos políticos. Ou assumimos essa proposta ou devemos deixar cair a máscara e pararmos de pronunciar discursos grandiloquentes sobre educação, em flagrante contradição com uma prática que nega cinicamente os discursos proferidos.

*Dermeval Saviani é professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autor de "Política e Educação no Brasil" (ed. Autores Associados)., entre outras obras,
O texto foi publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo (13/07/08)"
Fonte: http://parameusalunos.blogspot.com.br/2008_08_01_archive.html   acesso em 24/10/2012

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